segunda-feira, 17 de outubro de 2011

O Casamento da Princesa

(para Nina e Benedicto)

Como dizia um certo mago “o universo conspira para nos colocar no caminho da felicidade”, eu diria esta frase de maneira diferente. Diria que o universo, que as forças que sustentam o universo conspiram para fazer com que nós sejamos protagonistas ou expectadores de situações e fatos que marcarão pra sempre as nossas vidas, ou simplesmente a historia de um determinado lugar, ou pessoa.
Em uma dessas armadilhas do destino, ou melhor, do universo fui ver uma festa cultural no alto da Serra e presenciei uma das coisas mais interessantes, sinceras e inusitadas que seria digna de um conto de fadas. Principalmente porque envolvia um romance entre uma Princesa e um Conde.
O cenário não era vultosa e imponente catedral da Europa, e nem tão pouco, as testemunhas e convidados eram a nobreza austríaca e/ou a fina flor da sociedade européia. O cenário era algo bem diferente, mas com certeza não perdia em nada para o ouro e a imponência das catedrais góticas ou helênicas do período clássico.
Estávamos no ponto mais alto da Serra dos Martírios/Andorinhas, em um lugar que também possuía uma imponente igreja, mas essa igreja era diferente, diferente porque não foram as mãos de homens que a construíra, e sim, o toque divino de Deus que através dos séculos a moldara. O sopro do vento e a ação da chuva transformaram a rocha solida em uma imensa caverna que possui todas as características de uma grande catedral onde todo ano é realizada a festa do divino da pedra. Esta festa cultural é uma romaria que congrega todos os grupos que festejam o Divino da Pedra e que durante uma semana dirigem-se até a igreja para devotar orações e cânticos a Divindade, ocasião onde são realizadas inúmeras brincadeiras e ritos durante todo o dia e noite.
Nesta época eu trabalhava no Orgão Ambiental do Estado e estava acompanhando as ações da SECTAM voltadas para o município de São Geraldo do Araguaia especificamente para o parque ambiental Serra dos Martirios/andorinhas e me acompanhavam alguns técnicos do órgão, da sagri e da FSA, além dos protagonistas dessa nossa pequena historia.
A caminhada foi penosa e longa, subindo a serra confesso que durante alguns momentos pensei que não ia conseguir pois o desgaste do corpo com os males da ociosidade, do cigarro e o peso da mochila me impunham profundo cansaço. No entanto, algo superior me impulsionava a ir em frente, pois a estonteante beleza do parque e os cenários naturais que se apresentavam ao longo da caminhada nos impelia a seguir em frente, subindo, subindo...
... “No meio do caminho existia uma pedra, existia uma pedra no meio do caminho” o “brejo dos padres” é uma pequena lagoa de águas cristalinas em cuja uma das margens consistia em um paredão de pedra gigantesco, era possível observar que a água brotava da rocha paramos ali para refrescar o corpo e a mente tomando um bom banho em suas águas frias e cristalinas, nossa! Que banho maravilhoso! Minha vontade era ficar ali mesmo e deixar que os outros prosseguissem. Enfim, coloquei-me de pé e segui em frente.
Eu pensava: Porque não aceitei o burro? Subir montado seria bem melhor, logo a seguir deparamo-nos com grupos de rochas e uma vegetação rasteira típicas do cerrado, cada formação lembrava palácios medievais em ruínas, igrejas, casarões europeus no meio do mato. Pequenas cachoeiras brotando a rocha e derramando suas águas em pequenas córregos de água cristalina com leitos de areia fina e branca que lembram as praias do rio Araguaia, cajueiros e outras arvores de pequeno e médio porte quase sem folhas denotavam as características naturais do serrado. Uma ilha em meio a floresta tropical, a serra é quase toda assim, vários ecossistemas distintos em uma pequena extensão de terra.
Finalmente chegamos ao topo, nos deparando com a imensa formação rochosa que era denominada Igreja de Pedra, uma multidão de pessoas com chapeis coloridos e cheios de tiras vermelhas e azuis caracterizavam o festejo, barracas de bebidas, comidas típicas e bandeiras nos lembravam o intuito de nossa jornada. Nosso objetivo era fazer uma campanha de Educação Ambiental para reduzir os riscos e a depredação que vinha acontecendo ao longo dos anos.
Subi ao topo da Igreja, como se estivesse procurando um sino para anunciar a nossa chegada, longe de encontrar o sino olhando ao redor, com medo de perder o equilíbrio e desabar dali sentei e vislumbrei tudo ao redor era possível ver boa parte do Parque dado a altitude, as ilhas de mata nativa, as pequenas porções de serrado, alguns córregos e formações rochosas, uma paisagem surreal no meio da Amazônia, passei ali longos minutos, não queria descer.
Ao descer, circundando a igreja nosso guia, o Zezinho nos apontava algumas pinturas rupestres feitas por caçadores coletores que por ali passavam eram pássaros, animais, gravuras outras que nosso parco conhecimento arqueológico não conseguiram identificar mas que possuíam características diferenciadas que apontavam a possibilidade de aquele local ter para os passantes pré históricos um cunho ritualístico e religioso também.
Ao final do primeiro dia reunimo-nos para conversar e trocar informações sobre as impressões individuais que tivemos ao longo do caminho, foi ai que em meio as falas, Benedicto convidou a todos para a pequena cerimônia de casamento que iria acontecer na noite do dia seguinte com a presença do padre da Igreja de São Geraldo.
Mais tarde conversando com o Zé (o outro Zé) e com o Andre é que fiquei sabendo dos detalhes da situação, Nina e Benedicto, Princesa e Conde foram apoiadores do processo de constituição da FSA – Fundação Serra das Andorinhas desde o seu inicio, nos idos de 85 e já haviam passado muito tempo estudando a área e apoiando o seu processo de preservação que culminaram com a criação do Parque em 1997, pelo Governo do Estado. Mantinham um carinho muito grande pela área e ali fizeram grandes e verdadeiros amigos.
Não era a primeira vez que os via, cerca de um mês antes havíamos realizado um Seminario e uma oficina de trabalho e planejamento voltada para a retomada do trabalho do Estado junto ao parque e ao município, considerando o abandono desde o ato de sua criação.
Embora os conhecendo superficialmente nunca tivemos uma relação mais próxima, eu ouvia muito falar dela, a Princesa! Pelas estórias contadas pelo Noé, pelo Zezinho e pelo Andre. Nina freqüentemente visitava São Geraldo e o Parque, em todas as visitas sua presença era comentada em toda a região. Falavam de sua beleza, de sua simplicidade e de sua paciência em ouvir as pessoas, mas durante a oficina eu a conheci de modo diferente, a conheci como brigona, como ambientalista aguerrida e defensora da natureza, sua experiência no movimento ambientalista já era muito grande, já havia participado de expedições na áfrica e na Oceania, mas era aqui no Pará, mais propriamente na Serra que ela mais se dedicou. Benedicto, pra mim era um ilustre desconhecido, no entanto, foi o que mais que mais se aproximou de mim durante a oficina, segundo ele, tudo que estava acontecendo era porque eu queria, para ele eu havia motivado o Secretario de Meio Ambiente do Estado, o Dr. Emanuel Mattos a retomar as ações no parque.
Na Igreja de Pedra conversamos um pouco mais. Minha impressão sobre os dois era um tanto quanto cheia de etnocentrismos e confesso, um pouco de inveja. Bom, me digam qualquer coisa os que conheceram a Nina, sem mentiras creio que todos éramos apaixonados platonicamente por ela e sonhávamos que a princesa poderia se apaixonar por um plebeu. Ledo engano, a princesa já tinha alguém no coração, alguém que era parecido com ela, que tinha a mesma origem dela, os mesmos anseios e a mesma postura. Foi-se a esperança, foi-se a ilusão. Mas ficou a amizade e o respeito.
Vê-los juntos era como se víssemos as duas faces de uma moeda ao mesmo tempo. – A cara e a coroa do mesmo lado. Ele a deixava conduzir e ela o conduzia sem pressão, sem desmandos e sem cobranças. Perfeitos. Sem contraste ou contradições.
Ao longo do outro dia era difícil vê-los juntos, cada um cuidando daquilo que se propunha a fazer, interagindo um com o outro a distancia, por olhares e sorrisos discretos, como o seu relacionamento no passado. Pelo menos quando estavam trabalhando, não percebíamos nada. Acho que isso é inerente a nobreza européia e o seu senso de racionalidade e descrição publicas.
À noite todos nós acompanhamos as festividades dentro da nossa Igreja Natural, uma pequena imagem do “Jesus recém-nascido” adornada com enfeites e fitas coloridas fora colocada em um altar natural dentro da igreja, um ponto que parecia ter sido feito exclusivamente para receber esta imagem e do outro lado, ou melhor, sentados embaixo e ao redor do altar uma multidão de pessoas cantavam canções do divino acompanhadas por instrumentos rústicos que tornavam a letra quase indecifrável, somente o coro era identificável. Volta e meia alguém saia de seu assento de pedra, corria para subir ao altar para colocar dinheiro junto a imagem e fazer pedidos ao santo. Eu mesmo fui umas quatro vezes, pois toda hora lembrava de pedir alguma coisa. Era simples, lindo e surreal, não tenho palavras pra descrever a cena por completo. Era perfeitamente sentida a presença de algo superior, de Deus naquele lugar, como se estivesse pairando sobre o ambiente e colocando as mãos em todos nós. Simplesmente indescritível. Essa foi uma das minhas experiências com o sobre natural mais profundas e sérias de minha vida. Senti Deus como nunca havia sentido em uma missa ou culto convencionais.
Sem palavras ao final do ritual dirigimo-nos ao nosso local de dormida, por trás da igreja, por incrível que pareça ninguém falou nada e todos dormiram em silencio. Ao raiar do dia, já sem trabalho a fazer, como bom cervejeiro ancorei com o Paulo Autieri, os dois Zes, Marcia e Rosinha em uma das barracas de palha e “da-lhe cana”, bebemos, comemoramos, interagimos com os romeiros e observávamos as brincadeiras e o envolvimento de todos nas festividades.
À noite, por volta das sete horas as amigas Rosinha e Nina deixaram o nosso convívio e foram preparar-se para o casamento, o Padre havia chegado de burro pouco antes e já havia anunciado que o casamento ia acontecer antes da missa de encerramento do festejo. Benedicto, mesmo discreto não escondia sua felicidade. Pouco depois dirigimo-nos todos a igreja, os trajes não eram ternos finos nem pomposos, as mulheres não estavam de vestidos de griffe elaborados por estilistas famosos. Estávamos todos com roupas de aventureiros de exploradores, calça Jeans, camisa surrada e jaqueta multifuncional. Os melhores trajes para a lida no campo e para longas jornadas.
Poucos eram os convidados, não havia musica, não havia nada que lembrasse a pompa das cerimônias reais. Os olhos de todos voltaram-se para a entrada da igreja. A Princesa estava chegando, seu vestido era de chita camponesa e seu véu estava adornado com pequenas flores de cerrado o buque, nunca esquecerei o buque ele não era de rosas ou violetas era uma única flor rústica do cerrado. Nossa!!! Ela estava linda, suas vestes refletiam a beleza da simplicidade que deve marcar os momentos que são eternos.
Os dois se encontraram, o Padre pouco falou e o casamento foi breve, breve porém eterno. Eterno como o amor deve ser e nós todos fomos os coadjuvantes desse momento que está marcado na vida dos dois. E que marcou profundamente a vida de todos nós. Marcou pelo contexto, pela situação, pela abnegação da escolha de Nina e Benedicto, por tornarem pessoas simples do outro lado do mundo deles como participes de sua historia de amor.
Depois da despedida em São Geraldo, nunca mais vi Nina e Benedicto, todas as vezes que eles estiveram na região eu estava fora. Mas gostaria de dizer a ambos que aqueles dias na festa do divino da pedra eu me senti parte da vida deles e de sua historia.

Antonio Rosa

Nenhum comentário:

Postar um comentário